Estava fazendo estágio e resolvi compartilhar com vocês a
experiência do meu primeiro dia. É uma escola só para o ensino de jovens e
adultos, organizada, não vi indisciplina, as salas são pequenas... Ainda assim,
estou chocada com o que vi! E não, o problema não eram os alunos.
Era aula de inglês e os estudantes cursam o que
corresponderia ao 6º ano. A professora entrega então suas folhas de atividades e
dicionários para os alunos e explica: “vocês estão aprendendo a aprender
inglês. Vamos traduzir essas frases!”. Aprender a utilizar o dicionário poderia
ser uma atividade muito interessante Poderia. A tradução era palavra por
palavra: in, this, month, it’s, hot... Eu acho bem complicado isso de traduzir
sem ter quase nenhuma noção da língua, mas vamos lá, as frases eram simples...
Os alunos estavam com dificuldade em achar as palavras no
dicionário e ela não tinha paciência para esperá-los.
-Presta atenção! Você está procurando na parte errada!
Inglês – Português é na parte vermelha do dicionário. Aqui! – E não explica que
o dicionário estava dividido em duas partes bem diferentes.
-Não, você está muito longe. Onde está o i? Lembra: a, b, c
d...? – E toma o dicionário da mão da menina e coloca na página da letra i.
-Prestatenção!
Os alunos acham as primeiras palavras, mas falam que não
sabem ler o que está escrito em seguida (a transcrição fonética) e ela não se
dá ao trabalho de nenhuma explicação a respeito. Também não entendem as letras
que aparecem ao lado (as abreviações de substantivo, verbo, adjetivo), mas esse
a professora tenta explicar.
-Esse s aí é de subjuntivo, adjuntivo, não substantivo... –
e segue sem dar maiores explicações de como isso poderia ajudá-los a entender a
palavra em questão, do que as outras siglas representam...
-Presta atenção! Essa palavra aqui eu vou dar de bandeja pra
vocês: it’s quer dizer é. – Ponto final.
Nada sobre o pronome it, muito menos sobre a contração ‘s... Uma aluna até
perguntou, é não é is? De my name is...? Ela ignorou a pergunta.
-Many não é dinheiro, professora? – pergunta uma aluna, ela
responde que não, que procure tudo no dicionário sem dar nenhuma explicação
sobre a diferença entre money e many que a menina confundiu. Ela não ensina a
pronúncia de nenhuma palavra, é como se dissesse que nem valeria a pena, porque
não iriam aprender mesmo.
-Vocês precisam aprender a buscar no dicionário, para terem
autonomia, ela diz. Mas resolve conferir os cadernos.
- Está uma bagunça danada, prestatenção!
-Sou cavalo, professora, copiei tudo errado.
-Escreve aqui, pula uma linha, escreve a caneta. Você não
copiou a pergunta? Deixa eu começar para você... – e escreve no caderno de
outra aluna.
Quando ela pegou a borracha e começou a pagar o caderno de
uma aluna, porque ela não tinha pulado a linha ou escrito no lugar errado eu
não acreditei. Eram alunos adultos e a professora estava apagando o caderno
deles! A mensagem que fica é que nem para isso eles serviam. Mas ficou pior.
Ela resolveu que era melhor mudar a disciplina a ser ensinada.
-Acho melhor eu dar português primeiro, que vcs estão com
muita dificuldade!
Dos seis alunos da classe, ela falou para três continuarem
no exercício de inglês e para os outros três passou uma atividade de leitura em
português. Depois perguntou o que eles preferiam e eles concordaram que
precisavam melhorar o português. Mas, claro, depois da professora dizer a eles
que não tinham capacidade nem de copiar a lição em seus cadernos sozinhos!
Quando ela saiu da aula os alunos começaram a reclamar e me falaram
o que gostariam que ela fizesse: que a letra fosse mais legível e a lousa
organizada (como ela exigia de seus cadernos) e que ensinasse a pronúncia das
palavras.
-Eu perguntei o som do w ela me deu uma patada, não pergunto
mais é nada.
Uma das alunas parece ter dificuldade de alfabetização. Para
essa, a primeira que ela resolver ensinar português ela pega um livro sobre
Picasso e pede que leia. Livro sobre um pintor, mas sem figuras, sem nenhum
contexto e ainda envergonhando-a na frente dos demais. Para os outros dois
alunos que ela preferiu ensinar português, ela pediu para lerem um pequeno texto
da apostila.
-Leiam só até aqui! – E marcou bem com as mãos um pequeno
trecho. Vai que eles resolvem ler até o final da página, que perigo, né?
Eles não entenderam uma metáfora do texto e ela explicou tão
de qualquer jeito que eu, que não estava com a apostila em mãos fiquei me
perguntando do que eles estariam falando que parecia tão sem sentido. Para os
alunos tampouco ela conseguiu esclarecer a tal metáfora, que não devia ser
complexa, afinal era um texto da própria apostila.
Ela falava que estava ensinando-os a ter autonomia na
aprendizagem ao mesmo tempo que dizia, com outras palavras, que eles não eram
capazes de aprender inglês, que nem valia a pena ensinar a pronúncia, ensinar
corretamente o significado e que, pensando bem, nem valia a pena ensinar inglês
para eles... Álias, desconfio que o nível do inglês dela devia ser bem ruim e
fiquei pensando até se a minha presença não a intimidou – o que de jeito algum
justifica o desrespeito com os alunos, claro!
Os alunos eram muito legais, apesar de tudo. Assisti uma
semana depois outra aula deles, com uma outra professora, dessa vez sim, a de
português. E surpresa: eles não tinham tantas dificuldades assim! Um dos que
foi excluído da aula de inglês para ler apostila tinha até facilidade para
escrever versos com rimas! Ela também tratava eles com respeito,
incentivava-os, não mandava eles pularem linha para escrever, como a outra
fazia (e que é coisa de segunda série) não gritava nem mandava os alunos já
calados e tímidos prestarem atenção.
3 comentários:
nossa, que assustador!!! Tenho certeza que sua presença intimidou a professora... acho que ela devia ser mais insegura que os próprios alunos com relação à disciplina... afinal, o que precisa ter para ser professora de inglês??? Outra coisa, fiquei surpresa com a curiosidade dos alunos, de querer saber tudo o que estava escrito no dicionário! Como são interessados! Adoraria dar aula para eles! A aluna que confundiu many com money, ou a outra que reconheceu o é em "is"! Na minha 6a série não tinha a menor noção das palavras em inglês... Muito legal! Pena que estão na mão de pessoas despreparadas sem a menor noção do conteúdo e mesmo do que é ser professor... mas tb voltamos a nos perguntar, será que a culpa é da professora? Será que é tão pontual assim? Pelos vários exemplos que vejo, acho que não...
O melhor é que no dia seguinte ela descobriu que eu era do espanhol, hahaha.
A culpa não é só da professora, mas eles têm sua parcela de responsabilidade, sim, e não é pouca. Se ela não tem culpa pela formação ruim, da escola, talvez pública também que cursou, da faculdade que aprovou e não exigiu tanto, também não deve ter se esforçado muito. Pior que o pouco conhecimento ali, para mim, foi o modo dela tratar os alunos. Pode ser cansativo, difícil, mas se não gosta, que faça outra coisa. Na verdade acho que esses professores fazem um desserviço à classe. Fica mais difícil defender melhores salários para quem tem aulas com eles, não fica? E se melhores salários dariam a eles condições de se dedicar mais às aulas, sabemos também que muitos não mudariam nada em seu ensino. Vi em outros relatos de estágio, os professores contando como grande vantagem não precisarem ensinar, e só mandarem os alunos fazerem cópia da apostila. Defendo melhores salários e melhores condições de trabalho, mas mais porque queria que mais gente boa fosse dar aula do que porque acredito em muitos que estão aí. Cobranças, formação e incentivos também poderiam fazer muito por esses últimos, mas enfim... tema muito complexo para um comentário de post.
é verdade... só não concordo com o q vc falou "Pode ser cansativo, difícil, mas se não gosta, que faça outra coisa." Sabemos q as pessoas não trabalham pq querem, e sim pq precisam... na maior parte das vezes é o único emprego q a pessoa vai conseguir... quem deveria barrar estas pessoas era o Estado...
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