sexta-feira, 20 de junho de 2014

De ter

Ás vezes tem essa vontade de emagrecer até sumir, mas que eu logo desisto porque sei que não vai rolar. Tem também aquela saudade que só faz crescer, vai entrando pela pele e se torna uma parte de mim mesmo quando estou distraída, e isso é sempre. E tem mais, ou tem menos. Tem esse medo louco do futuro, e do presente também. Tem essa falta difícil até de definir, tem essas vontades que apertam, essas dúvidas tão terríveis quanto vulgares e comezinhas... Tem essa vida, enfim, querendo brotar do asfalto, das cinzas ou, talvez, de solo fértil, mas tão pouco regado. Tem essa vontade de regar e tem o medo de encharcar, de se afogar nesse mar sem fim, sem fundo e sem freio. Tem essa busca pela boia, mas tem a vontade de mergulhar mais fundo. Tem tudo isso, mas também não tem. Tem um não saber, tem um tatear no escuro, tem um fechar os olhos de propósito para só ver com as mãos. 

E como se fosse pouco, tem as obrigações, tem o trabalho, tem os trabalhos, tem resenha, têm proparoxítonas!

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terça-feira, 10 de junho de 2014

Cântico IV

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.


Cecília Meireles me matando um pouquinho hoje...

terça-feira, 3 de junho de 2014

coração porco



-“Se o coração do homem não transborda de amor ou de cólera…” - ele esperou.
-“Nada se faz no mundo” - ela sorriu. Terminou o chá, levantou-se. - Nikos Kazantzakis, O Cristo recrucificado.
Ondjaki, E se amanhã o medo


De dia, sono
De noite, insônia --
a única hora para tentar entender o mundo.
Mas o coração não deixa, perdi o manual,
esqueci o latim.
O coração dos porcos 
é mais sensível:
o aconchego quer chegar a todos, se perde sem conseguir alcançar ninguém.