sábado, 10 de maio de 2014

A hora

A hora se aproxima segundo por segundo, sem precipitações nem atrasos. E tudo será diferente, como se assim tivesse sempre sido.

Mas a hora parece não vir. Parou? Ou já não vinha? (Projeções loucas de quem só sabe esperar.) Ir até lá arrancar os minutos do relógio? Faz parte da chegada o temor de que ela não venha? Já não foi assim antes? Mas você não é adivinha, sua tola. Ninguém é, o mundo é uma bola de fogo que será engolido pelo sol e não há nada a se adivinhar até lá.

Os minutos do relógio continuam a gritar, por que então? O que contam? Adivinhar é ler do mundo os sinais. A geologia do tempo que ainda não chegou. A ciência é a religião dos cegos, que não veem as horas se aproximando. E dividem, e contam e metrificam, para não ouvir o que elas vêem cantando por entre as brechas das janelas por onde entram à noite.

A hora se aproxima sem precipitações nem atrasos. Mas não há adivinhos - o mundo é uma bola a ser devorada pelo sol - e não ouço mais seus passos. 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Abril

Abril
e eu, líquida,
escorri ralo abaixo.
Abri
todas as portas
à exposição pública -
remendos encarnados.
Hoje recolho os pedaços
e procuro as velhas chaves,
corada,
sob os olhos de poucos amigos preocupados.
Bêbada e nua
gritava liberdade,
mas só vi risadas
e algum constrangimento.