quinta-feira, 23 de abril de 2009

Você já foi chicoteado hoje?

Não, eles não fizeram nada de mais. Os funcionários só aplicaram a política da empresa para com os passageiros, presenciada diariamente por eles. Chutar e chicotear as pessoas pode até ter sido iniciativa deles, mas foi apenas uma derivação, lógica, da prática de transporte público que vivenciam. Para conter animais, o chicote. Para transportá-los, o mínimo necessário.

Amontoados o máximo possível, são animais de pouco valor, que podem levar horas para realizar seu percurso, que não precisam de grandes garantias de segurança nem de muito ar. A atitude desses funcionários não nasceu do nada, não foi criação de mentes insanas e sem contato com a realidade, pelo contrário, foi resultado de sua larga experiência.

Não conheço a situação específica do Rio de Janeiro, mas não deve ser muito diferente da paulistana e da maioria das grandes cidades que seguem este modelo de "desenvolvimento". Até o ano passado, diversos trens (como os da linha F) da CPTM ostentavam tábuas de madeira remendando os buracos de seu piso. Tábuas tábuas, das mais comuns, presas com preguinhos e fazendo grandes desníveis no chão, já que eram postas apenas em cima dos buracos. Nos horários de pico, a insistência por viajar de portas abertas não era só gosto pelo perigo: abertas, as portas permitiam que um pouco mais de ar entrasse nos trens lotados e, convenhamos, respirar ainda é algo importante para a maioria das pessoas. Isto sem falar nas goteira quando chovia ou do uso de drogas dentro do vagão.

Há pouco tempo esses trens foram reformados, a lotação absurda de alguns horários e a demora da viagem, entretanto, não sofreram alterações. A reforma, tardia, só veio com a USP Leste e a estação de trem construída para atender ao público universitário. Para os antigos freqüentadores da linha, as mudanças não eram, afinal, tão necessárias. Cidadãos de terceira classe acostumam-se facilmente ao transporte de quinta.

Também é curioso quando comparamos estes trens com os que circulam entre a zona oeste e sul de São Paulo: mais novos e com intervalos bem menores, além de possuírem ar condicionado e música ambiente. Curiosamente, são os trens que levam ao Morumbi, à Vila Olímpia e à Rebouças, entre outras regiões consideradas mais nobres da cidade. Ainda têm problemas e são bastante cheios nos horários de maior fluxo, mas nada que se compare à situação dos trens da linha F, por exemplo.

O tratamento reservado aos passageiros de transporte coletivo, entretanto, não merece jornais, não recebe declarações indignadas do ministro, não é uma desumanidade. O governo Serra, ao contrário, utiliza as imagens dos trens em péssimo estado que circularam durante anos e anos nas gestões PSDB para mostrar o "antes e depois" de sua reforma. Esquecem que foram eles mesmos que deixaram a situação chegar naquele estado. Ah, sim, como eu podia esquecer? Não há mais linha F ou variante. Agora o nome da linha é Safira. Mas não posso reclamar, sempre apreciei a ironia e uma dose de humor negro.

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